08 - Parece que estamos na Idade Média!

 

Unknown - Codex Græcus Matritensis Ioannis Skyllitzes, or Madrid Sylitzes (BNE MSS Graecus Vitr. 26-2 Fol. 140v, Biblioteca Nacional de España, completed in Sicily between c. 1100 and c. 1200).


Um comentário sobre os usos do passado


É comum, no dia a dia, em conversas informais, artigos da mídia em geral, ou comentários de internet, ouvirmos expressões como a que dá título a este artigo. A tendência de buscar no passado as causas para as coisas que acontecem hoje em dia parece ser uma constante na sociedade ocidental. Isso nos diz muito sobre o papel da História, ainda que como um negativo de uma fotografia realizada com uma câmera analógica.

Em primeiro lugar, o ato de comparar a sua realidade com a de outras épocas e lugares, parece ser próprio do que é humano. Quem nunca disse, diante de um evento que o deixa estarrecido, expressões como “parece que voltamos à Idade Média”, “parece que voltamos a 1964”, ou “parece o Holo(ca)usto”? Ou o leitor nunca disse o ingênuo “isso é coisa antiga, é daqueles tempos”?

Sim, como o negativo de uma fotografia antiga, essas expressões nos dizem muito sobre uma visão da disciplina História, mesmo sem percebermos. O que podemos extrair disso?

Ao ressaltar um aspecto, positivo ou negativo, sobre o passado, isso nos faz pensar na História como exemplo de vida (Historia exempla vitae). A verdade é que isso se trata de um uso do passado. Da mesma forma que um governante fala em restabelecer “um Reich de mil anos”, de “retomar a glória da Antiga Roma”, de fazer “uma revolução preventiva, como a de 1964”, as pessoas comuns se apropriam do passado a todo o instante, às vezes de forma inconsciente.

Isso, evocar a História é bom para argumentar, ou defender uma posição ideológica (não raro prejudicial às suas populações). Afinal, a despeito de todo o debate que os historiadores profissionais sérios realizam, a História transmite a carga de “a verdade”.

É evidente que essas visões sobre a História olham para o passado como algo estanque, imóvel, fechado, e que não muda. E não, o passado realmente não muda, mas o que sabemos do passado muda todo o tempo.

Isto posto, todo uso do passado pressupõe uma intenção, mesmo que não se consiga explicar em palavras. E essa intencionalidade está sempre voltada para o presente. Talvez essa seja a real função da História: olhar para o passado, com o presente como alvo.

Para consultar

BARROS, José D' Assunção. Teoria da história: Os primeiros paradigmas: positivismo e historicismo (vol. II). 1 ed.  São Paulo: Vozes, 2011.

KOSELLECK, Reinhart. Historia Magistra Vitae — Sobre a dissolução do topos na história moderna em movimento. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.

PROST, Antoine. Doze lições sobre a História. 2ª ed.; 5ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.

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