08 - Parece que estamos na Idade Média!
Um comentário sobre os usos do passado
É comum, no dia a dia, em conversas informais, artigos da
mídia em geral, ou comentários de internet, ouvirmos expressões como a que dá título
a este artigo. A tendência de buscar no passado as causas para as coisas que
acontecem hoje em dia parece ser uma constante na sociedade ocidental. Isso nos
diz muito sobre o papel da História, ainda que como um negativo de uma
fotografia realizada com uma câmera analógica.
Sim, como o negativo de uma fotografia antiga, essas
expressões nos dizem muito sobre uma visão da disciplina História, mesmo sem
percebermos. O que podemos extrair disso?
Ao ressaltar um aspecto, positivo ou negativo, sobre o
passado, isso nos faz pensar na História como exemplo de vida (Historia exempla
vitae). A verdade é que isso se trata de um uso do passado. Da mesma forma que
um governante fala em restabelecer “um Reich de mil anos”, de “retomar a glória
da Antiga Roma”, de fazer “uma revolução preventiva, como a de 1964”, as
pessoas comuns se apropriam do passado a todo o instante, às vezes de forma
inconsciente.
Isso, evocar a História é bom para argumentar, ou defender
uma posição ideológica (não raro prejudicial às suas populações). Afinal, a
despeito de todo o debate que os historiadores profissionais sérios realizam, a
História transmite a carga de “a verdade”.
É evidente que essas visões sobre a História olham para o
passado como algo estanque, imóvel, fechado, e que não muda. E não, o passado realmente
não muda, mas o que sabemos do passado muda todo o tempo.
Isto posto, todo uso do passado pressupõe uma intenção,
mesmo que não se consiga explicar em palavras. E essa intencionalidade está
sempre voltada para o presente. Talvez essa seja a real função da História:
olhar para o passado, com o presente como alvo.
Para consultar
BARROS, José D' Assunção.
Teoria da história: Os primeiros paradigmas: positivismo e
historicismo (vol. II). 1 ed. São
Paulo: Vozes, 2011.
KOSELLECK, Reinhart. Historia
Magistra Vitae — Sobre a dissolução do topos na história moderna em movimento.
In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos
históricos. Rio de Janeiro: Contraponto: Ed. PUC-Rio, 2006.
PROST, Antoine. Doze
lições sobre a História. 2ª ed.; 5ª reimp. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
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