07 – A verdade sobre a “verdadeira história”

 Ou a verdade sobre o que o seu professor nunca te contou

Francisco de Goya. Murió la verdad. Disponível em https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Muri%C3%B3_la_verdad.jpg. Acesso em 27 de julho de 2023.

Há um fascínio, o mais das vezes, criado — ou amplificado — pelos veículos de mídia, com a ideia da “verdadeira história” de um assunto ou pessoa. Qual a raiz desse efeito duradouro nas pessoas? É mesmo possível alcançar a “verdadeira história” de algo? Quais os problemas dessa ideia?


Talvez a maior característica do ser humano seja a necessidade de contar e de ouvir histórias. Contudo, não raro, queremos histórias definitivas, pois a velocidade do dia a dia não favorece a criação de narrativas complexas. Logo, para atender a esse anseio humano primário, pululam produções culturais com sugestivos títulos como “a biografia definitiva”, “a história verdadeira”, ou mesmo “O que o seu professor não te contou” sobre algo.


Para além do evidente sensacionalismo de títulos como esses, é possível realmente alcançar narrativas definitivas sobre eventos ou pessoas da História? Em que pese o desejo de resolver as coisas facilmente, a própria vida demonstra que nunca conseguiremos definir as coisas em sua inteireza.


Imagine, por exemplo, um evento cômico da sua vida. Aquele momento que você aprecia contar para fazer seus amigos e conhecidos rirem. Quantas vezes você já contou isso? Você sempre o fez com as mesmas palavras, sem omitir palavras ou detalhes desse acontecimento? Isso não só é improvável, como praticamente impossível. Até porque, se assim fizéssemos, a história perderia a sua graça. Como seres sociais que somos, às vezes trazemos à tona um detalhe secundário, ou omitimos esse detalhe, conforme a nossa audiência. Na verdade, às vezes isso acontece simplesmente porque esquecemos ou porque lembramos de algum elemento da nossa narrativa. Sendo assim, nós adaptamos a narrativa ao nosso público. Caso nos recusemos a ajustar a história, pareceríamos loucos, impertinentes ou até ofensivos.


Agora, tente imaginar que você está com um amigo e ele reconta a sua história engraçada. A história meio que muda um pouco, não é verdade? Este fato evidencia que não temos como abraçar a totalidade dos eventos ou de períodos do tempo. É evidente que sempre deixaremos passar muita coisa. Num sentido um pouco diferente, certo filósofo disse que só vemos as coisas como elas parecem aos nossos sentidos, em vez de como elas são na realidade.


Observe aqui o fato de que não se nega a existência de uma realidade para além do que podemos perceber. O que se questiona, e se nega, neste breve texto é a impossibilidade humana de apreender essa mesma realidade.


Um dos problemas presentes na expressão “a verdadeira história” de algo é a intenção, consciente ou inconsciente, de promover — entre tantas opções disponíveis — um olhar específico sobre determinado acontecimento. No entanto, essa não é a questão principal. Se não é esse problema, qual seria, então? É o fato de se invisibilizar os agentes históricos que não cabem nas narrativas oficiais. Pior, distorcer os fatos e falsear a realidade.


Por certo, a impossibilidade quanto a apreender a realidade em sua inteireza parece entrar em conflito com a ideia de que agentes históricos têm sido invisibilizados pelas narrativas oficiais, ou até a questão do falseamento da História enquanto ciência. Seria possível, portanto, conciliar essas perspectivas sobre os fatos e os acontecimentos históricos?


 

Referências

KANT, Immanuel. Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como Ciência. 1 ed. São Paulo: Estação Liberdade, 2014.

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